02 janeiro, 2012
11 dezembro, 2011
Perspectivas (do Ponto da Vista)
Do lado de cá...
Turvam-se os meus olhos deslumbrados ante a perfeição das tuas linhas, quando intento, exaltado, abarcar a completa e definitiva imagem dos teus elegantes perfis.
Declaro-me fatalmente submisso, enredado por sedutora teia de torpor subtilmente fiada pela imprevisível, tecnológica e fascinante evolução cinética que te anima ou percorre.
Apenas tu, altiva e sedutora, consegues plenamente preencher a sumptuosa amplitude dos meus ilimitados horizontes, vulgarizando quaisquer medíocres ou volúveis obras da mãe natureza ou das tendenciosamente rebuscadas índole e mão humanas.
Eis-me pois, perdidamente acorrentado, subjugado pelos avassaladores grilhões da tua imponência.
Do lado de lá...
Turvam-se os meus olhos deslumbrados ante a perfeição das tuas linhas, quando intento, exaltado, abarcar a completa e definitiva imagem dos teus elegantes perfis.
Declaro-me fatalmente submisso, enredado por sedutora teia de torpor subtilmente fiada pela imprevisível, tecnológica e fascinante evolução cinética que te anima ou percorre.
Apenas tu, altiva e sedutora, consegues plenamente preencher a sumptuosa amplitude dos meus ilimitados horizontes, vulgarizando quaisquer medíocres ou volúveis obras da mãe natureza ou das tendenciosamente rebuscadas índole e mão humanas.
Eis-me pois, perdidamente acorrentado, subjugado pelos avassaladores grilhões da tua imponência.
23 novembro, 2011
(Con) Trastes
Hoje fui ao sótão. Abri o baú e peguei em nove embrulhos ao acaso, que ao fim de vinte anos de reclusão poeirenta e solitária, como que estremunharam ao regressar à luz.
Mal foram desvendados, quase todos, quais fogachos débeis de pólvora velha, se tornaram imediatamente obsoletos e dispensáveis; o tempo não perdoa às recordações que o hoje não consente, não tolera ou justifica.
Aos restantes, os discretos anos de olvido aportaram uma fina capa de elegância sóbria, impregnaram com uma essência de sedutora cumplicidade, aureolaram com uma beleza apenas perceptível por vias da delicada teia das amizades que perduram e da alegria do reconhecimento do que valeu a pena ao longo de todo este tempo de pousio.
O que de bom ainda vier, será sempre um inestimável bónus.
09 novembro, 2011
A Essência do Mal
"Este é o meu domínio…e todavia, nele se encontram por toda a parte bolsas de vida autónoma. Autónoma. Para que eu possa chamer-lhe meu, não posso permitir que aqui brote seja o que for sem a minha autorização... O homem que acha que os segredos do mundo são para sempre insondáveis vive no mistério e no medo. A superstição arrasta-o para o abismo. A chuva acabará poer esfarelar os feitos da sua existência. Mas do homem que atribui a si mesmo a tarefa de isolar da trama do cosmos o fio da ordem podemos dizer que, com essa simples decisão, tomou as rédeas do mundo nas suas mãos e só dessa forma conseguirá ditar os termos do seu próprio destino."
"A trajectória dos corpos que se movem em circulo é determinada pelo comprimento do fio que os prende. Luas, moedas, homens."
"Pouco interessa o que os homens pensam da guerra. A guerra perdura. É o mesmo que perguntar-lhes o que acham da pedra. A guerra sempre esteve presente. Antes de o homem existir, a guerra já estava à espera dele. O ofício supremo a aguardar o seu supremo artífice. Sempre foi assim e sempre assim será. Assim e não de outra forma."
"Os homens nasceram para jogar. Nada mais...os jogos de azar exigem que se façam apostas, sem o que não fazem sequer sentido. Os desportos implicam medir a destreza e a força dos adversários e a humilhação da derrota e o orgulho da vitória constituem em si mesmo aposta suficiente, pois traduzem o valor dos contendores e definem-nos. Porém, quer se trate de contendas cuja sorte se decide pelo azar quer pelo mérito, todos os jogos anseiam elevar-se á condição da guerra, pois nesta aquilo que se aposta devora tudo, o jogo, os jogadores, tudo."
"As leis da moral são uma invenção da humanidade para privar dos seus direitos os mais poderosos em favor dos fracos. As leis da história subvertem as leis da moral a cada passo."
Juiz Holden - Meridiano de Sangue ou o Crepúsculo Vermelho no Oeste
© Cormac McCarthy
28 outubro, 2011
Destroços
...derrubados, com rasgões bem visíveis na carne inerte,...
...despojos desprezados, indistintos, em lixeiras de almas,...
...despontarão tenazes, viçosos mesmo, em cíclicas e revoltosas primaveras,...
Mas porquê incomodarmo-nos com o fim do mundo? Todos os dias é o fim do mundo, para alguém. O tempo sobe e sobe, e quando chega ao nível dos nossos olhos, afogamo-nos.
O Assassino Cego - Margaret Atwood
15 outubro, 2011
02 outubro, 2011
24 setembro, 2011
Arbol
tu cuerpo es campo de batalla!
Lo muestran las señales de la bélica campaña,
cicatrices de guerra que te marcan com saña,
heridas eternas que aún te sangran.
Eran y son jóvenes los guerreros
que suben hasta ti abrazados,
entusiastas guerrillas pueriles,
pactos de paz en tu piel firmados;
confessiones de amores eternos,
algunas veces interesados,
aunque las más, verdaderos.
Te clavan puñales afilados,
ilegibles símbolos de pasión,
mensajes escuetos grabados,
a los que no guardas rencor.
Almacenas los momentos
y revives recordando
soñadoras las miradas,
mil frases susurradas
y, contra ti, apoyados...,
sus jadeos.
Lo muestran las señales de la bélica campaña,
cicatrices de guerra que te marcan com saña,
heridas eternas que aún te sangran.
Eran y son jóvenes los guerreros
que suben hasta ti abrazados,
entusiastas guerrillas pueriles,
pactos de paz en tu piel firmados;
confessiones de amores eternos,
algunas veces interesados,
aunque las más, verdaderos.
Te clavan puñales afilados,
ilegibles símbolos de pasión,
mensajes escuetos grabados,
a los que no guardas rencor.
Almacenas los momentos
y revives recordando
soñadoras las miradas,
mil frases susurradas
y, contra ti, apoyados...,
sus jadeos.
Mis lineas, a ti - José Luis Cisneros Enebral
02 agosto, 2011
26 julho, 2011
Once In a Lifetime
Entre as dezenas de memoráveis e os muitos irrelevantes (sem contar com as inesquecíveis mas estrondosas decepções), concertos há que nos marcam para a vida de uma forma que, por vezes, só mais tarde apreendemos. Uma emoção (pode assumir componentes múltiplas e variadas) que não sabemos como nasce, nos arrebata e persiste em preencher-nos de uma forma frenética, ao longo dos dias.
Foi isso que me aconteceu no sábado passado, no Jazz no Parque em Serralves, com os "Tea for Three" do trompetista Dave Douglas.
Lembrei-me então, por impulso, de listar em édito solene e ainda que sujeito a equívocos ou ausências involuntárias, os mais memoráveis concertos da minha vida:
Téléphone (La Louvière - Bélgica)
Roxy Music & King Crimson (Estádio Municipal de Faro)
J. Garbarek, C. Haden & N. Vasconcelos (Aud. Ar Livre Gulbenkian Lisboa)
Jaques Higelin (Teatro S. Luis em Lisboa)
Bruce Springsteen (Estádio de Alvalade)
John Zorn - Naked City (Aula Magna Lisboa)
John Cale - Digressão "Music for a New Society" (A. Magna Lisboa)
Four Man & a Dog (Fest. Intercéltico Porto - Cinema do Terço)
Tom Waits (Auditori del Forum Barcelona)
G. Dudamel & O. S. Los Angeles - 9ª Sinf. Mahler (G. Aud. Gulbenkian Lisboa)
"Tea for Three" de Dave Douglas (Jazz no Parque Serralves Porto)
Roxy Music & King Crimson (Estádio Municipal de Faro)
J. Garbarek, C. Haden & N. Vasconcelos (Aud. Ar Livre Gulbenkian Lisboa)
Jaques Higelin (Teatro S. Luis em Lisboa)
Bruce Springsteen (Estádio de Alvalade)
John Zorn - Naked City (Aula Magna Lisboa)
John Cale - Digressão "Music for a New Society" (A. Magna Lisboa)
Four Man & a Dog (Fest. Intercéltico Porto - Cinema do Terço)
Tom Waits (Auditori del Forum Barcelona)
G. Dudamel & O. S. Los Angeles - 9ª Sinf. Mahler (G. Aud. Gulbenkian Lisboa)
"Tea for Three" de Dave Douglas (Jazz no Parque Serralves Porto)
"Tea for Three"
Dave Douglas - Trompete
Enrico Rava - Trompete
Avishai Cohen - Trompete
Uri Caine - Piano
Linda Ho - Contrabaixo
Clarence Penn - Bateria
Dave Douglas - Trompete
Enrico Rava - Trompete
Avishai Cohen - Trompete
Uri Caine - Piano
Linda Ho - Contrabaixo
Clarence Penn - Bateria
16 junho, 2011
Saxy
09 junho, 2011
Quadro de Honra
Começo por saudar efusivamente, todas as portuguesas e todos os portugueses que, nas eleições do passado domingo, por não se reverem nas propostas e soluções apresentadas pelos partidos a sufrágio ou por discordância profunda com o estiolado modelo do nosso sistema político, votaram em branco, contribuindo desse modo para os notáveis 2,97% conseguidos a nível nacional, o melhor resultado de sempre.
Sobre este assunto, gostaria ainda de realçar os seguintes factos relevantes:
* Círculos eleitorais cuja média global de votos em branco ultrapassou os 3% : Coimbra, Faro, Leiria e Açores.
* Na categoria de maior empenho, o distrito de Coimbra destaca-se por várias razões:
- Média distrital global de votos em branco : 3,6%
- A votação média ultrapassou os 3% em 12 concelhos, num total de 17 em todo o distrito.
- Em quatro concelhos, os votos em branco ultrapassaram os 4%, nomeadamente na Figueira da Foz (4,07%)
* Uma medalha para Barrancos com os seus 4,36%.
* O pódio é conquistado integral e inapelávelmente pelos Açores:
- Lajes das Flores (6,57%)
- Vila do Porto (5,98%)
- Madalena (5,46%)
- Horta (5,10%)
- S. Roque do Pico (4,56%)
E assim, singelamente, estes resultados inesperados constituem uma prova cabal de que não é tão extravagante como à primeira vista aparenta o alcançar de uma percentagem de votos brancos que, se por um lado, começam pela sua importância a congregar as atenções, por outro, nos dão força para continuar a batermo-nos pela sua concreta representação parlamentar, sob a forma de lugares vazios na Assembléia.
Podemos começar desde já, com uma ligeira brisa, a formar uma pequena onda. Depois virá a maré. Na rede anda uma petição que pode ser subscrita desde já:
Se entretanto, tudo fôr correndo normalmente, dispomos de toda uma legislatura para o conseguir.
04 junho, 2011
Votos (Wishes)
Pugno pelo voto em branco como forma de repúdio ao actual sistema político.
Há coisa de um mês, na sua coluna quinzenal no Público, Carlos Fiolhais (professor universitário) confessava: “Se a escolha em Portugal fosse, por hipótese, entre o actual primeiro-ministro e o Rato Mickey, eu não hesitaria em votar no boneco da Disney.”
Não deixei de compreender a sua posição e desenvolvi mesmo alguma simpatia pela ideia, o que acabou por fazer germinar em mim algumas dúvidas e consequentemente, temores de um qualquer surto de incoerência intelectual. Tentei então, naturalmente em desespero de causa, identificar um personagem plausível, preferencialmente aparentado ao Morcego Vermelho (o meu preferido!), merecedor de uma eventual cedência dos meus princípios.
Na semana passada, no mesmo jornal, Luís Campos e Cunha (professor universitário), escrevia: “Como Carlos Fiolhais defendeu, a democracia também serve para afastar os que não servem: e Sócrates não serviu nem vai servir. (...) Assim, ou votamos branco-nulo, ou votamos num dos partidos actuais: essa é a escolha. Abster-se é um erro grave e sinal de fraca inteligência. (...) Mais tarde reivindicaremos que o voto branco tenha representação parlamentar com uma cadeira vazia. E nessa altura veremos a abstenção a baixar e muito. Também porque a partir daí os partidos actuais seriam diferentes e para melhor.”
Reforçava, por um lado, a defesa da alternativa cartoon e por outro, vinha ao encontro das minhas perspectivas de uma futura, mas urgente, reforma política do país. Fechou-se então, o círculo das minhas dúvidas.
Amanhã, vou votar.
No melhor dos mundos, o primeiro ministro seria enxovalhado nas urnas (antecipação prevista nesta alegoria) e os votos em branco ultrapassariam os 5%.
Tenho o fim de semana para me deleitar com a ideia.
O verão está a chegar. Antecipo já os fúteis momentos estivais, o gozar a minha praia de eleição.
Espero não ter de começar a pensar em emigrar, logo na segunda-feira.
28 maio, 2011
( ... )
Saudade é despedirmo-nos de um amigo, ao fim da noite, com a plena noção que amanhã ele poderá já não se lembrar de nós.
Maior saudade é saber, uma semana passada, por ocasião do seu funeral, que a tarde dessa nossa despedida lhe tinha, de uma forma plena, iluminado a alma.
Espera por nós, lá por um destes S. Elói, Bogaraveo...
19 maio, 2011
Distopia
Será que a imagem que temos das realidades que consideramos palpáveis corresponde à representação exacta, concreta, geométrica e metafísica dos universos ou antes, meras projecções aberrantes e distorcidas dos mesmos? (ou será, porventura, exactamente o contrário?)...
Agrada-me profundamente saber que estou num ponto do Universo que necessita ser esticado para o lado de fora, quero dizer : para a minha frente. Se rebentar, é a minha mais profunda aspiração que foi satisfeita!
António Maria Lisboa
11 maio, 2011
04 maio, 2011
Fechar a Porta (e Engolir a Chave)
Chegaram-me, provenientes de diversas fontes e pelas mais variadas vias, opiniões e manifestações de desacordo e mesmo menosprezo para com as minhas recentes intervenções sobre a política do nosso condado (inclusive sob a forma de não publicação de comentários meus num blog).
São geralmente dois os argumentos usados, curiosamente de lados opostos das barricadas da retórica: por um lado, o estafado estribilho “não serve para nada”; do outro, o radicalismo de propostas ousadas, como a da cobrança de fraque.
De uma coisa eu estou certo: as coisas não se alteram só porque escrevemos em blogs, porque esconjuramos a nossa impaciência nas redes sociais ou porque nos indignamos no seio do nosso círculo restrito de influências por causa da marcha desta nossa via crucis.
Há quanto tempo, tantos ilustres e reputados cidadãos têm vindo a apontar soluções e caminhos a seguir? Algum órgão de soberania se dignou ouvi-los ou aplicou alguma das suas receitas?
Para que surjam mudanças, insisto, o povo tem que forçar a barra, invadir as ruas, gritar e eventualmente nalguns casos, arriscar. Ou agora, que estamos subjugados ao garrote de um qualquer triunvirato institucional, passamos a conformar-nos com a nova desculpa, “não podemos fazer nada”?
Em Tunes e no Cairo, saíram à rua. Na Islândia, exemplo para alguns mais inconformados, também. Como antes, tão antes que já poucos recordam (mas tão relevante), na Polónia.
Para mudar, há que sair à rua, apanhar sol e chuva e vento e criteriosa e meticulosamente, apontar aos podres do sistema e torpedeá-los sem cedências e ininterruptamente; até que algo mude, efectivamente.
Alguns acham que esta é uma cruzada romântica. Crêem que as forças cívicas, as entidades financiadoras externas, algumas vozes credíveis dentro dos partidos, a consciencialização do povo, acabarão por levar à mudança; claro que isso é subestimar a dinâmica inercial de todos (e são muitos!) a quem este pântano convém e as fantásticas e oleadas máquinas de propaganda dos partidos “representativos”, últimos guardiões dos interesses instalados, a quem o tempo vai permitindo os adequados ajustes de discurso e atitude.
Por isso, temo seriamente, que com todas estas divagações, jogos de cintura, dispersão de movimentos cívicos e esperança cega no bom senso das elites a que hoje assistimos, tudo continue exactamente na mesma, ressalvando o aspecto cosmético. Em suma, estrume com apresentação nouvelle cuisine! E nós, acomodados, eternamente descontentes e a mandar palpites, reféns de jogos de (i)lógica completamente surreais.
Mas também já não nos espantamos, pois assumimos que todas estas idiossincrasias, dúvidas e angústias estão profundamente interiorizadas no núcleo a-dê-énico da alma portuguesa.
Afinal, o povo nem gosta por aí além de sair à rua.
Aliás, o povo muito poucas vezes se dignou descer à rua. Até mesmo num 25 de Abril qualquer, alguém teve que sair por ele.
(Por exaustão e por não ser charco de minha predilecção, dou por encerrado este ciclo de crónicas endo-socialo-políticas)
25 abril, 2011
Platonices
A tribo vivia numa gruta sombria e tão sem fundo, que nenhum dos seus membros ousara alguma vez alcançar as suas paredes e os seus limites. Conheciam por cheiro e tacto os que ocupavam os espaços adjacentes aos seus, mas ignoravam completamente o que se passava para lá da sua obscurecida zona de visão. De vez em quando chegavam-lhes ecos de alguns audazes que abandonavam o infame antro mas não tinham memória de qualquer celebração por um qualquer regresso.
Um dia, inesperadamente, sem qualquer prólogo ou preparação, uma luz ofuscante jorrou de lado nenhum em especial, encandeando os subjugados e inábeis indivíduos, numa sublime cegueira. A tal ponto se deslumbraram, que cada um intuiu que a imensa claridade emanava de si próprio; tal era a intensidade, que os que com eles antes partilhavam um esconso e inóspito pedaço de chão, desapareciam na luz pelo excesso de brilho da sua exclusiva importância. E enfunaram-se com a sensação.
Entretanto, algumas cabeças mais ponderadas, avaliaram que um tal povo, assim crédulo, indefeso, sem saber ler nem escrever, embasbacado e empertigado por suposta auto-luminescência, se entregaria com a maior das jactâncias às garras e presas de uma qualquer fera populista e demagógica que se lhe apresentasse ao caminho. Assim, formaram grupos organizados de indivíduos esclarecidos, que zelariam pelo bem estar dos restantes irresponsáveis. A estes últimos, seria facultado o privilégio de escolher o chefe de grupo mais determinado e verdadeiro, o mais digno de os representar; não tinham de se preocupar com mais coisa nenhuma!
Continuavam sem sair da ampla caverna mas agora, cada um deles era um centro do mundo. Confiavam nos “partidos”, cujos sorridentes líderes os sossegavam do bom progresso da nação, enquanto, discretamente, alguns afiliados no eleito bando começavam a ocupar despudoradamente os recantos mais confortáveis da gruta, acumulavam para si os mais requintados e os mais essenciais bens, anteriormente comuns e partilhados por todos, e protegiam correligionários culpados de práticas de actos ignóbeis, contra a justa indignação das gentes, tantas vezes com claro abuso da sua posição de relevo, num reles instinto de preservação de estatutos e benesses para a sua própria casta.
Quando, com o tempo, a luz esmoreceu, os membros desse enorme clã constataram que já não conheciam os que estavam a seu lado no dia a dia, os que, ombro a ombro, consigo trabalhavam; não se lhes detectava um sorriso. Muito menos reconheciam quem se sentava na zona alta da caverna tomando decisões sobre a sua própria vida: apenas o sorridente e entusiástico líder.
Na votação seguinte não elegeram o prazenteiro régulo e escolheram um mais sisudo, bastante mais sério e contido. Pouco mais tarde, deram conta que por trás do imponente pano das ilusões, os mesmos anónimos e nesfastos sequazes continuavam a encenar a vida pública enquanto se entregavam desenfreadamente a luxuriosas orgias de poder.
Quiseram então alterar o estado das coisas e eleger indivíduos em quem depositavam confiança: um, no vizinho prestável; aquele, mais místico, no pensador exuberante; outro ainda, naquela fêmea de fartos seios que sempre lhe insuflara uma certa dose de ternura e um agradável e indistinto calor. Qualquer que fosse o critério, bom ou mau, queriam definitiva e individualmente escolher quem os representasse.
Tal não era possível, invocaram então os varões inabaláveis do regime. A estabilidade social, a tribo soberana, os códigos estabelecidos não permitiam tais desvios; que os partidos eram os únicos representantes do povo e era do patriótico interesse do povo que as coisas assim se mantivessem, para seu próprio bem e em prol do seu promissor futuro ...
(... que alguém com ânimo, optimismo, entusiasmo e ideias estimulantes e arrebatadoras pegue neste trecho e o desenvolva. Esta é uma história que temos, decididamente, de escrever juntos. Se quem nela pegar, precisar de ideias ou ajuda para escavar os seus meandros ou contornar inevitáveis obstáculos, com o objectivo de um final feliz, não hesite em contactar-me!)
Post Scriptum 1 :
Um amigo, no estrangeiro, espantou-se por não votarmos em candidatos-pessoas, apenas em propagandísticos partidos, que ad libitum promovem os seus melhores (indistintos e anónimos) mercenários aos lugares de representantes de um povo que declaradamente neles não se reflete e muito menos os reconhece.
Post Scriptum 2 :
Continuo a preferir ver as cadeiras do hemiciclo vazias a serem ocupadas por inertes marionetas desprovidas de coluna vertebral
Escrito num qualquer 25 de Abril...
18 abril, 2011
Indignação (com Ressurgências Helenísticas)
No passado recente, fui várias vezes acometido pela tentação de empregar este hibridismo mas, por algum respeito (agora admito, condescendente e ingénuo) e recatado pudor, nunca o fiz. Hoje, de ressaca, no fim de uma semana em que fui contundentemente surpreendido, varado por um estupor de asco, durante o vislumbre de uma curta edição de imagens do congresso do PS, complementada pela reles (cereja podre no topo do bolo) indigitação de Fernando Nobre para cabeça de lista do PSD por Lisboa, deixo-me finalmente de rodeios:
Eis-nos definitivamente em plena PORNOCRACIA!
As sequências iam desfilando como se estivesse a assistir e a participar num episódio 3D do “Fringes” no qual estranhos, incompatíveis e hiperbólicos universos se entrecruzassem e nós, os portugueses em geral, (afinal, o grupo ameaçado), neste recanto sem saída do mapa, partilhássemos a irregular zona de intersecção dos mundos com extraterrestres, aberrações e fenómenos ilógicos e inexplicáveis, numa fronteira difusa onde se instalou absoluta e irrevogávelmente, o panxenorealismo! A partir de agora, toda a vergonha se sublima e tudo é possivel!...
No mínimo que nos paguem algumas contrapartidas, sob forma de deduções à dívida, por contribuirmos com case studies sobre as evoluções de um sistema onde despontam os mais absurdos cenários políticos, com as mais catatónicas ou inócuas consequências, modelos jamais imaginados pelos teóricos das Ciências Políticas.
Não me foi fácil conseguir descobrir e sequenciar as palavras para esta crónica e foi necessário, para concluir, amparar-me na sabedoria fantástica dos sinónimos de Ambrose Bierce:
POLÍTICO : Uma enguia na lama primordial sobre a qual se ergue a superestructura da sociedade organizada. Quando se retorce, confunde a agitação da sua cauda com os tremores do edifício. Quando comparado com o estadista, sofre da desvantagem de estar vivo.
POLÍTICA : Uma disputa de interesses disfarçada de competição de princípios. A condução de negócios públicos para benefícios privados.
12 abril, 2011
A Sina
No fim do lauto e requintado jantar, abordámos o reputado economista europeu, como nós convidado para a informal e agradável festa de uns amigos comuns, e com a vantagem da descontraída atmosfera in vino veritas, questionámo-lo sobre as perspectivas do país, as dívidas, os juros e os resgates, os Fundos e as respectivas consequências para a economia e a sociedade. Esboçando um amável e condescendente sorriso, passou a explanar que, apesar de toda a poeira que possa ser levantada e dos incómodos e ruidosos zumbidos distractores envolventes, apenas dois caminhos pragmáticos se lhe apresentavam claramente, como vias para uma resolução do imbróglio:
- Total e estrita austeridade, infalível rigor, controlo de despesas e custos, aumento sustentado da competitividade da economia, crescimento positivo ímpar e duradouro durante todo o período de consolidação: perseverando inflexivelmente neste objectivo, as contas estarão equilibradas e o país viabilizado dentro de trezentos anos.
- Usar a arma a que outros países, nomeadamente os Estados Unidos, recorrem em situações idênticas e que lhes tem permitido manter-se à superfície após as mais variadas tormentas financeiras: desvalorizar a moeda (e tentar manter-nos agarrados ao euro com todas as unhas e todos os dentes!).
A partir deste ponto, desenvolveu alguns corolários, uns mais óbvios, outros assaz rebuscados mas, súbitamente interrompeu-se e, após uma curta pausa, exortou-nos a levantar os balões com a aguardente velha e a brindar ao futuro das ilhas económicas da velha Europa política (ou foi ao contrário?).