26 abril, 2010

A Ordem das Coisas ( III ) – Constante de Planck


Jan van Oos era o guru da oceano-climatologia, o “Robert Langdon” da simbologia dos fenómenos da Terra. Ainda não tinha terminado a conferência de imprensa e já o pânico se propagava pela vertiginosa e capilar rede das agências noticiosas. Iniciara a declaração com detalhes sobre como, com base nos registos sagrados de sacerdotes das civilizações pré-colombianas, cálculos sobre a dinâmica das casualidades astronómicas, a variação dos desníveis das marés e dos fluxos das micro-correntes superficiais do Pacífico e outras variáveis correlacionáveis, chegara inequívocamente à conclusão que, cíclicamente, a intervalos rigorosos e agora finalmente determinados, um tsunami de dimensões inauditas assolaria a costa noroeste da América do Sul e que (e era este o ponto fulcral da onda de terror instalada) tal catástrofe deveria voltar a repetir-se em menos de três meses, mais precisamente entre 12 e 15 de Junho.

Organizou-se então em tempo record a mais vasta operação preventiva de protecção civil de sempre, a nível global, abrangendo uma longa faixa litoral, transpondo inclusivé diversas fronteiras territoriais, com uma largura variável em função da orografia da região. Militares de forças multinacionais geriram a complexa logística e a deslocalização de pessoas e bens iniciou-se. Rigorosos e cada vez mais amplos perímetros de segurança iam sendo estabelecidos para evitar as pilhagens e os focos de resistentes ao êxodo. Entretanto, vários colégios de sábios de múltiplas disciplinas, tanto específicas como acessórias, confirmavam os modelos; as únicas dúvidas relacionavam-se com a amplitude, a potência e a ocorrência de réplicas da enorme vaga. Todas as análises, das mais polémicas às mais fantasistas, serviam para validar um eventual Armagedão: o ícone a chorar sangue em remota ermida da Silvásia, vacas a cair dos céus em plena Praça Vermelha em Moscovo. As Bolsas viviam numa autêntica montanha russa e reinava o improviso generalizado.

Como esperado, uma semana antes das datas previstas, cordão de protecção definitiva e firmemente implantado, começaram a confluir para alguns locais mais emblemáticos ou estratégicos na costa, grupos de pessoas com os mais variados propósitos como seitas apocalípticas, hippies New Age, esotéricos amadores, os auto-denominados “Filhos dos Deuses de Nazca” e mesmo alguns surfistas radicais.

No dia 13 ao fim da tarde, densas e negras nuvens agigantaram-se no horizonte, uma estranha calmaria paralisou a superfície do mar numa quietude angustiante e uma frente espessa de ar quente e sufocante chegou do largo, emissária da devastação, não como uma brisa mas como uma peste. Alguns mais determinados, loucos ou suicidas, lograram durante a noite furar as barreiras de segurança e avançaram para as praias e falésias, enquanto na rectaguarda, mais resguardadas, as vigílias se mantinham despertas para o crescente rugido que anunciaria antecipadamente a Grande Vaga.

E o amanhecer foi de uma calma escura.

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Seis dias mais tarde, um último surfista foi resgatado vogando à deriva na vasta mansidão do Pacífico.
Os Chinchansuyo nos seus relatos nas pedras, davam um nome ao improvável e insólito fenómeno milenar da total suspensão da actividade oceânica, que chegava a durar várias luas: Kinraysapa Qapia Qocha - “A Imensa Banheira”.



CONSTANTE DE PLANCK

Constante fundamental da Física Quântica, reflete a proporcionalidade entre a frequência da onda e a energia da ocorrência (quantum) que lhe está associada.


h = 6,6260693 10 E-34 J.s
















19 abril, 2010

Starlet




A nortada roçava-se pelos coloridos estendais da Afurada, que espanejavam ao sol, festivos de agitação. O esfuziante turista posicionava-se meticulosamente para as fotografias, pelos melhores e mais deslumbrantes enquadramentos, ora ao longo das baterias de roupa sacudida, ora rodeando as mulheres que mantinham vivo com as sucessivas levas de trouxas, o caos dinâmico do cenário.
Com a tarefa concluída, a velha, chinelo no pé e o neto pela mão, começou a afastar-se. A imagem era forte, os contrastes vincados, a postura austera. E o turista impressionado, recuava na frente do seu caminho na busca de uma enfática e cronológica sucessão de grandes-planos / corpo-inteiro.

- Óó Ruosa!... É c’o alguidar à cabeça... é sentada à puorta de casa... Fuod@-se! Já deve haver fuotos minhas em todos os cantos do mundo!



12 abril, 2010

Urbanidades (III)



Travessa à Praça 5 de Outubro (Caldas da Rainha)
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06 abril, 2010

Os Sinuosos Limites do Sensato


À medida que o mundo se torna mais complexo e vertiginoso, vivemos o inusitado paradoxo de, por um lado, evoluirmos numa zona de conforto que nos permite depositar uma confiança sistemática e absoluta nas regras e padrões do nosso meio, seguros da nossa familiaridade com um saber tão abrangente que nos garante o controlo do desenrolar dos comportamentos e das acções, enquanto, por outro, nos afectam e surpreendem fenómenos e acontecimentos imprevistos e muitas vezes chocantes, ao ponto de nos rebelarmos por o nosso tão vasto conhecimento não os conseguir antecipar ou prever. Chegamos ao limite de nos insurgir com o facto de a vida ser implacávelmente injusta, ao longo da qual muito poucos de tudo dispõem e todos os imensos outros, nada ou ainda menos que isso, preocupamo-nos com os acontecimentos improváveis errados contra os quais, efectivamente, pouco podemos fazer e suspiramos, quando não sacrílegamente ansiamos, por aquele salvífico momento de sorte, que em si escandalosamente constitui uma das tais imprevisibilidades contra as quais tão denodadamente peroramos.

Ao longo deste nosso tortuoso percurso, esquecemo-nos apenas que quanto mais afastadas se posicionam as fronteiras do conhecimento, mais compridas e intrincadas elas provam ser e que o desconhecido inesperado pode surgir, como a avalanche, na próxima curva da franja. Deveríamos antes, como costumo dizer à Marta, abrandar para, durante uns segundos aqui, outros além, consolidar as ideias;
Desvalorizar os temores mais óbvios que desgastam energias e empalidecem os prazeres;
Aguçar a curiosidade testando os nossos conceitos e ideias, não deixando vulgarizar o raciocínio;
Adquirir a elegância de desprezar o destino e de dominar os nossos ritmos, rotinas e pulsões, em suma, assumir (dentro dos nossos limites) o nosso lugar no mundo.
Valorizar a introspecção e a dúvida. Reflectir, questionar e reconhecer o próprio desconhecimento, imbuídos de humildade epistemológica.


As certezas do saber, as afirmações peremptórias e a realidade como espelho da confirmação, serão então, tão claramente quanto a incerteza nos permite afirmar, meros sintomas de medianocridade.



PS :
Estas últimas duas entradas ganharam fôlego após uma tertúlia hedonística com a AIM, o JPMF e a Z. Muita influência também do N. N. Taleb e do seu “Cisne Negro”.