25 abril, 2011

Platonices


A tribo vivia numa gruta sombria e tão sem fundo, que nenhum dos seus membros ousara alguma vez alcançar as suas paredes e os seus limites. Conheciam por cheiro e tacto os que ocupavam os espaços adjacentes aos seus, mas ignoravam completamente o que se passava para lá da sua obscurecida zona de visão. De vez em quando chegavam-lhes ecos de alguns audazes que abandonavam o infame antro mas não tinham memória de qualquer celebração por um qualquer regresso.
Um dia, inesperadamente, sem qualquer prólogo ou preparação, uma luz ofuscante jorrou de lado nenhum em especial, encandeando os subjugados e inábeis indivíduos, numa sublime cegueira. A tal ponto se deslumbraram, que cada um intuiu que a imensa claridade emanava de si próprio; tal era a intensidade, que os que com eles antes partilhavam um esconso e inóspito pedaço de chão, desapareciam na luz pelo excesso de brilho da sua exclusiva importância. E enfunaram-se com a sensação.
Entretanto, algumas cabeças mais ponderadas, avaliaram que um tal povo, assim crédulo, indefeso, sem saber ler nem escrever, embasbacado e empertigado por suposta auto-luminescência, se entregaria com a maior das jactâncias às garras e presas de uma qualquer fera populista e demagógica que se lhe apresentasse ao caminho. Assim, formaram grupos organizados de indivíduos esclarecidos, que zelariam pelo bem estar dos restantes irresponsáveis. A estes últimos, seria facultado o privilégio de escolher o chefe de grupo mais determinado e verdadeiro, o mais digno de os representar; não tinham de se preocupar com mais coisa nenhuma!
Continuavam sem sair da ampla caverna mas agora, cada um deles era um centro do mundo. Confiavam nos “partidos”, cujos sorridentes líderes os sossegavam do bom progresso da nação, enquanto, discretamente, alguns afiliados no eleito bando começavam a ocupar despudoradamente os recantos mais confortáveis da gruta, acumulavam para si os mais requintados e os mais essenciais bens, anteriormente comuns e partilhados por todos, e protegiam correligionários culpados de práticas de actos ignóbeis, contra a justa indignação das gentes, tantas vezes com claro abuso da sua posição de relevo, num reles instinto de preservação de estatutos e benesses para a sua própria casta.
Quando, com o tempo, a luz esmoreceu, os membros desse enorme clã constataram que já não conheciam os que estavam a seu lado no dia a dia, os que, ombro a ombro, consigo trabalhavam; não se lhes detectava um sorriso. Muito menos reconheciam quem se sentava na zona alta da caverna tomando decisões sobre a sua própria vida: apenas o sorridente e entusiástico líder.
Na votação seguinte não elegeram o prazenteiro régulo e escolheram um mais sisudo, bastante mais sério e contido. Pouco mais tarde, deram conta que por trás do imponente pano das ilusões, os mesmos anónimos e nesfastos sequazes continuavam a encenar a vida pública enquanto se entregavam desenfreadamente a luxuriosas orgias de poder.
Quiseram então alterar o estado das coisas e eleger indivíduos em quem depositavam confiança: um, no vizinho prestável; aquele, mais místico, no pensador exuberante; outro ainda, naquela fêmea de fartos seios que sempre lhe insuflara uma certa dose de ternura e um agradável e indistinto calor. Qualquer que fosse o critério, bom ou mau, queriam definitiva e individualmente escolher quem os representasse.
Tal não era possível, invocaram então os varões inabaláveis do regime. A estabilidade social, a tribo soberana, os códigos estabelecidos não permitiam tais desvios; que os partidos eram os únicos representantes do povo e era do patriótico interesse do povo que as coisas assim se mantivessem, para seu próprio bem e em prol do seu promissor futuro ...



(... que alguém com ânimo, optimismo, entusiasmo e ideias estimulantes e arrebatadoras pegue neste trecho e o desenvolva. Esta é uma história que temos, decididamente, de escrever juntos. Se quem nela pegar, precisar de ideias ou ajuda para escavar os seus meandros ou contornar inevitáveis obstáculos, com o objectivo de um final feliz, não hesite em contactar-me!)





Post Scriptum 1 :
Um amigo, no estrangeiro, espantou-se por não votarmos em candidatos-pessoas, apenas em propagandísticos partidos, que
ad libitum promovem os seus melhores (indistintos e anónimos) mercenários aos lugares de representantes de um povo que declaradamente neles não se reflete e muito menos os reconhece.


Post Scriptum 2 :
Continuo a preferir ver as cadeiras do hemiciclo vazias a serem ocupadas por inertes marionetas desprovidas de coluna vertebral





Escrito num qualquer 25 de Abril...




2 Comments:

Anonymous henedina said...

"Continuo a preferir ver as cadeiras do hemiciclo vazias a serem ocupadas por inertes marionetas desprovidas de coluna vertebral." Eu tb, até era a forma de diminuir o nº de deputados (pq não 180?) mas votar em branco não faz cadeiras vazias...
Acha mesmo que se 30% dos Portugueses votassem em branco mudava alguma coisa? Talvez.

26 abril, 2011  
Blogger Windtalker said...

Se os votos priviligiarem os partidos do costume é que nada muda!
Se dos 15% de brancos, metade se consciencializar que tem efectivamente peso eleitoral, pode mobilizar-se e congregar-se no sentido de, no mínimo, agitar as águas (mais ou menos radicalmente)...

26 abril, 2011  

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