31 dezembro, 2007

(Manifesto) ... Pelo que Só posso Pedir Mais...

... lucidez e bom senso nas horas de decisão,
... proximidade, solidariedade e tolerância para com os que connosco partilham um percurso comum,
... independência e espírito crítico nas questões demasiado polémicas ou morais, bem como nas demasiado consensuais,
... rigor e responsabilidade em todos os mínimos empreendimentos,
... intransigência, inconformismo e censura para com corrupções, arrivismos, oportunismos, abusos, impunidades e demagogias,
... sincero e arreigado sentido de ética.


Se há tema que desde há muito me perturba e sobre o qual tenho vindo a reflectir, é o do fim da ética (do conceito individual ao âmbito global) na nossa priveligiada, capitalista, liberal e tecnológica sociedade moderna (que adianto desde já, defendo ferverosamente). Sendo um fenómeno indiscutivelmente universal,é no entanto no Portugal que frequentamos que, por efeitos da nossa perversa malha educacional e cultural, da falta de espírito cívico gregário, da estimulada subserviência e hierarquização social e da predominância absoluta e generalizada dos interesses do estado, se tende a agudizar a banalização e por vezes admiração dos comportamentos “não éticos”. Com a deserção do país de um cada vez maior número de jovens valores, que poderiam contribuir para uma gradual mudança de mentalidades, a perspectiva torna-se ainda mais negra, prevendo-se a médio prazo um país desconfortável, mesquinho, deprimente e inviável para grande número de cidadãos, sujeitos a orientações e rumos insondáveis e a cada vez mais regras e legislação que muda todos os anos, em função de uma gestão casuística ou com interesses corporativos.
Não vou entrar agora em detalhes, ilustrados por inqualificáveis exemplos que conformada e pacificamente aceitamos - basta ler um simples jornal diário. Talvez volte ao assunto mais tarde.
Como conclusão então, daquela minha lista de desejos para 2008, o meu manifesto, ponto de honra pessoal, para com A Ética e o meu compromisso de enquadrar a minha travessia do Novo Ano segundo as suas bases e principios mais elementares.

Leça da Palmeira, 31 de Dezembro de 2007


23 dezembro, 2007

Calmarias

Queixas-te (definitivamente com razão) que não escrevo, sacodes-me para que me seja providenciada inspiração, senti o teu aguilhão para que eu próprio violente musas em busca de sopros iluminados para divagação sobre estonteantes temas...

...mas neste momento não me consigo segurar, os meus vôos e observações continuam a fazer-se, e ficam as impressões, as de ferro em brasa como as ligeiras, num cantinho da minha mente sem que saiba dar-lhes destino... Sinto-me, agora, em fase receptiva, dissecando os afluxos que me chegam das múltiplas fontes, quer as abençoadas que me afagam, quer as que aleatória ou sistemáticamente de forma negativa me arranham...

...este mesmo texto, sem sentido e caótico, é disso prova...

... neste momento, não sou brisa, sou uma calmaria pouco revigorante, não sou o estimulante e perverso mestre, sou o recatado funcionário... sou, eu...assim...


19 dezembro, 2007

...Explica o Tubarão ao Mexilhão:

“A razão que leva a politica democrática a manipular, prende-se com o facto de os políticos não terem qualquer aspiração a dizer a verdade. O que eles pretendem é ganhar as eleições e a melhor forma de o conseguirem é distorcendo a realidade em seu próprio benefício.Este discernimento devia levar-nos a não abandonar o conceito de sociedade aberta, mas a rever e a reafirmar as razões para que ela exista. Temos de abandonar a suposição implícita de Popper de que o discurso político tem como objectivo uma melhor compreeensão da realidade e reintroduzi-la como uma condição explícita. A separação de poderes, o discurso livre e as eleições livres não conseguem por si só assegurar uma sociedade aberta; é também preciso um forte empenho na busca da verdade.”

De Popper para Karl Rove – e vice-versa © George Soros in Publico – 23.11.2007

15 dezembro, 2007

Atmosferas (II)


Fechara os olhos pela Alina quando ela entrou, deslizando sedosamente numa túnica verde-mar. Sentiu-a acetinada contra as suas costas e logo ela lhe apartou os braços, para com as mãos e os dedos lhe lavrar a pele de fecundas sensações. Não falaram. Apenas fixavam o verde aquoso do exterior.
A majestática porta abriu-se de novo para a entrada de dois andróginos, brancos querubins subjugados, belos e assexuados serventes.
Traziam fruta exótica e exuberante de cor e sabor e champanhe de exaltante e exdrúxula reserva, que serviram em cristalinos cálices de aristocráticos tinidos.O homem e a mulher entreolharam-se com cumplicidade. Brindaram com elegância. Brilhavam os olhos com as brincadeiras do lume vivo e das bolhas nos seus copos. A musica e a chuva fundiam-se agora num unico e profundo mantra e ele, deliciado, deixou a janela e abandonou-se à aparente brisa que revolucionava pela sala. Sentou-se no sofá, receptor, receptivo aos momentos. A ela, enquanto o seguia com o olhar, nascia um sorriso matreiro nos carnívoros lábios vermelhos. Dirigiu-se igualmente à lareira e lançou um imperceptivel sinal aos dois seráficos colaboradores, enquanto pousava o copo.
Assombrado, ele viu o primeiro efebo aproximar-se dela com a serenidade natural das coisas sublimes e, com gestos de uma graciosidade cósmica, cobriu-lhe os olhos com uma venda escarlate. Ela inclinou ligeira e sedutoramente a cabeça como se pudesse ouvir, cheirar, sentir todas as emoções que perpassavam por ali, naquele instante. O outro valete, já atrás dela, retirou então com um unico movimento de prestidigitador, a leve túnica verde-mar.
O tempo parou aquele ínfimo e magistral instante durante o qual uma anónima gota de chuva se atomizou contra a vidraça.
Ele viu-a então desejosa e ansiosa, desamparada e desarmada. Sentiu-lhe o palpitar fremente dum coração alvoroçado, a amplitude da inspirada inquietação num peito sôfrego de toque e detectou-lhe o ressurgir na intimidade, na mina de uma secreta, sagrada nascente, a doce e gotejante essência do desejo.
Levantou-se mansamente e ela pressentiu-o. Aproximou, sem lhe tocar, as mãos do seu corpo a uma distância térmicamente apenas perceptivel e ela sentiu-o. Acompanhou-lhe o perfil do corpo com um movimento aéreo de bailado onírico e ela buscou-o... Então, como que carregado com uma electricidade dócil, os dedos dele cortejaram uma ardente princesinha.

10 dezembro, 2007

Atmosferas (I)


A chuva batia, sedutora, na parede de vidro voltada ao jardim, murmurando doce mas insistentemente, convites aconchegantes. Lá fora, sob a imensa cúpula cinzenta, naquele anfíbio amplexo que as miríades de gotículas celestes prodigalizavam, as árvores, as plantas, as folhas, os ínfimos seres, saciavam-se deleitadamente absorvendo a essência primordial da vida, com a voracidade de quem experimenta singulares prazeres.
A sala era muito grande, de geometria irregular, e as paredes branco-frio formavam enormes pé-direito inclinados. A quem entrava pela maciça porta em madeira, deparava-se-lhe em frente, um fogo de sala hipnotizador, ladeado num ângulo obnóxio por um sofá antracite e uma distinta marqueza, de suave rosa-carne veludo (re)vestida. Do lado esquerdo, norte portanto, uma esmagadora tela de Bacon pendia, ultrajante, ocupando desmesuradamente o cintilante espaço deixado vazio por um pesado reposteiro sangue-de-boi, que descia em formas voluptuosas, do tecto ao chão.Nesse canto ainda, um equipamento de som e vídeo para regalo dos cinco sentidos. Mais longe, como que clandestinamente dispersos numa pilha informe, entrefolhavam-se maliciosamente Mrs. Dalloway, Lautréamont, Appolinaire, Justine, o Ricardo R, o Burroughs, a Lou-Andeas e Melle. Eberhard, num festim nu de formas e palavras. Um pouco excêntrica, a mesa e a sua própria posição no salão, acomodava uma coberta carmim e candelabros de velas da mesma côr. Etéreo, tal espectro difuso, fluindo em ondas de paixão húmida e quente, o "Spiegel im Spiegel" da Alina do Pärt, qual canto de sereia de insondáveis e aventurosos mares, predominava aos ouvidos do homem que perscrutava para além da janela, contra as libertárias gotas que do céu sombrio o desafiavam, batendo na panorâmica transparência.

07 dezembro, 2007

Querido Eugénio

"O melhor não são os sentimentos nobres das pessoas, mas o ácido prazer de amar seja o que fôr. Uma longa viagem nos une e nos separa. Nunca trocámos cartas porque essa débil força da confidência esteve sempre para nós fora de moda. Nunca deixámos que as palavras nos dessem lições. As palavras são como caminhos, umas vão dar a qualquer sitio que não nos importa conhecer; outras não servem para nada, e são as melhores.

A poesia não é feita de palavras, mas da cólera de não sermos deuses."


Excerto “da” carta, da Agustina ao Eugénio

03 dezembro, 2007

Oratório (Ambição)


Que a minha escrita seja etérea, estelar, insubstancial...
Poesia? Pouco importa! ... mas, intemporal, inatingível, quântica...
Prosa? Porque não?... mas, entrópica, vertiginosa, telúrica...

Que a minha escrita seja ambiciosamente oca na forma e insidiosamente volátil de conteúdo!...

© Malevich, Supremo nº56