30 março, 2010

Inevitabilidades e Imprevisibilidades




Não sei quem me causa mais azia: se os que se aproveitam das inevitabilidades (a) para sacar vantagens ou simplesmente obter significativos lucros, tantas vezes com o bondoso propósito da protecção e do bem-estar de todos; se os que, de uma forma empenhada, sustentada por sólidos cálculos, robustos modelos, comprovadas premissas e abençoados por ilustres especialistas, derrapam olímpicamente nos seus propósitos, falham objectivos, perdem dinheiro ou, pior ainda, fazem perdê-lo (e muito!) aos outros, com as imprevisibilidades (b).

Como as azias dependem muito do que se ingere, tenho por balizas de navegação que quanto menos petiscos pré-preparados engolir, melhor lidarão as minhas entranhas com potenciais dispepsias. Desde logo, com uma dieta na base de assumir um cepticismo crónico relativamente à informação que nos submerge, sufocantemente omnipresente, que com a sua multiplicidade de fontes, veículam um sentimento de confiança em dados ou factos supostamente fiáveis, que se revelam no melhor dos casos puro ruído, mas também, na sua mais nefasta vertente, distorcidamente tóxicos.

Se nos acomodamos a uma postura acrítica, seremos ingénuamente induzidos a conclusões sobre assuntos sobre os quais não dispomos de conhecimentos suficientes, simplificaremos e preencheremos, com uma lógica muito nossa, os vazios de informação disponível, reduzindo as dimensões de análise e pontos de vista, irresponsávelmente não moderaremos as nossas reflexões com os improváveis factores aleatórios e com a típica desordem da percepção humana.

Esforço-me todos os dias por nadar contra a corrente deste conformismo informativo, suposta e muitas vezes, genuínamente rigoroso e sério.

Já agora, outras acidezes, bem menores, me indispõem!
A falta de sentido de humor. E que demasiadas e indevidas coisas sejam levadas demasiado a sério.


(a) Inevitabilidades : o terrorismo e o consequente aumento das síndromes securitárias; o controlo permanente de dados e movimentos dos cidadãos; o maléfico CO2 e o aquecimento mundial; a globalização; a normalização dos bens e a padronização dos gostos e valores; as taxas e associações ou instituições eco ou euro inspiradas; as devastadoras pandemias; o imparável crescimento dos números do envelhecimento e das solidões; (...)

(b) Imprevisibilidades : o comportamento das bolsas e dos fundos; as crises disto e daquilo; a evolução de estratégias e parâmetros rebuscados e voláteis tais como PIBs, PECs, déficits... ; o “Mercado”, nas suas faces micro ou macro e o preço das matérias (primas e alimentares); os contos do vigário e as fraudes por parte de cavaleiros e paladinos de referência; o planeamento e execução de projectos; (...)


23 março, 2010

Nos Bosques...


..., aos próprios sons, ao vento, ao curso de água, juntam-se uns discretos, inoportunos passos no caminho, intrusos curiosos, subjugados por iridescentes fulgores que denunciam onde terminam os arco-íris.

Que sejam reverentes e não de maliciosa índole! Não esqueçam que alguns são invisiveis, outros delicados mas implacáveis, os sobrenaturais guardiões dos secretos refúgios das fadas.














20 março, 2010

Mal - Agradecidos


Se políticos, gestores públicos, autarcas, árbitros, homens de negócios, influentes funcionários, membros de juntas médicas, magistrados (...) sistemáticamente não se lembram, desconhecem ou negam mesmo, ter recebido presentes, que se supõem merecidos ou quando muito atenciosos sensibilizadores, de devotados e sinceros aficionados que, juram inclusivé, nem saber quem são, então definitivamente, esses ingratos não deviam levar mais prenda nenhuma! De ninguém!... Se fosse comigo, nem uma Monteblanco, da Vandoma!

15 março, 2010

O Décimo Terceiro Livro dos Anjos


Se há cabeças cujos carretos engrenam de forma estonteante e inexplicável com resultados tão surpreendentes quanto provocadores, a de John Zorn segue com o pelotão da frente. Fiquei de tal forma impressionado após o concerto que deu há uns anos com os Naked City na Aula Magna, que profanamente inspirado, dei o nome dele ao cão lá da casa e acompanho, muitas vezes embasbacado, o que tem vindo desde então a sacar da cartola.
Torrencial e diversificado, está na origem como mentor e compositor, entre outros projectos, do notável ciclo dos “Book of Angels”, explorando a veia das tradições judaicas e das obscuras entidades que povoam a mitologia talmúdica, com a cumplicidade de alguns dos suspeitos do costume no que se refere à musica de vanguarda como, entre outros, Marc Ribot, Uri Caine, Erik Friedlander, Mark Feldman, Joey Baron, Joe Lovano e Dave Douglas, estes dois no extraordinário “Stolas”, o tomo 12 da série.
Não se contando entre os melhores da estante, o décimo terceiro volume merece referência por naturais razões numerológicas, pela graciosidade feminina trazida pelas Mycale a este universo, até aqui, quase exclusivo aos homens (excepção feita a Sylvie Courvoisier que participa em“Malphas”, o terceiro), pelo conceito refrescante de todos os temas serem versões vocais, a cappella, e por integrar um belíssimo cântico celebrando Moloch, um dos mais negros e reconhecidos anjos caídos.
Mais nenhuma razão houvesse para a evocação, bastaria a directa e esotérica inspiração do (tão) nosso poeta da alma, o Fernando Pessoa.






08 março, 2010

É a Vida ...


O momento era esmagador de emoção, num dia já de si sombrio e pesado. Avizinhava-se o culminar da cerimónia fúnebre e o cortejo parou para enfim, a urna ser pousada ao lado da lamacenta vala, para uma derradeira homenagem.

Então, o coveiro, homem possante e enérgico conhecedor da sua arte, aproximou-se para as últimas instruções.
Na Tshirt, de um tom laranja flash, um estampado intuindo esclarecedora sabedoria:

"THE ULTIMATE EXPERIENCE ..."



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01 março, 2010

Os Imbecis



“Sabes qual é a obrigação que temos nesta vida?
Pois é a de não sermos imbecis.
...

Há imbecis de diversos modelos à escolha:


a) O que acredita que não quer nada, o que diz que para ele tudo é igual, o que vive num perpétuo bocejo ou numa sesta permanente, mesmo que tenha os olhos abertos e não ressone.

b) O que acredita que quer tudo, a primeira coisa que lhe aparece e o contrário do que lhe aparece: ir-se embora e ficar, dançar e estar sentado, mascar dentes de alho e dar beijos sublimes, tudo ao mesmo tempo.

c) O que não sabe o que quer nem se dá ao trabalho de o averiguar. Imita os quereres dos seus vizinhos ou contraria-os porque sim, tudo o que faz é ditado pela opinião maioritária daqueles que o rodeiam; é conformista sem reflexão ou revoltado sem causa

d) O que sabe que quer e sabe o que quer e, mais ou menos, sabe porque é que o quer, mas quer pouco, com medo ou sem força. Acaba sempre por fazer, bem vistas as coisas, o que não quer, deixando o que quer para amanhã, pois talvez amanhã esteja mais bem disposto.

e) O que quer com força e ferocidade, em estilo bárbaro, mas se enganou a si próprio acerca do que é a realidade; despista-se em grande e acaba por confundir a vida boa com aquilo que o há-de tornar pó.”


Ética para um Jovem - Fernando Savater

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