30 abril, 2007

Azul


AZUL INDIGO

Joviais familias portuguesas em recessão económica regressando da semana de férias que passaram em Cuba, México ou outras remotas paragens, esgotam por completo todos os vôos de Madrid nesta amena sexta-feira. A desventura de ter tido uma reunião esta manhã obriga-me a aqui passar mais um dia. Este não é pois um relato improvisado, fluindo no asséptico processador de texto do PC, mas um manuscrito (que palavra tão bonita!) iniciado ainda no avião de regresso... uma sequência de caracteres azuis alinhados desconjuntadamente num branco papel que serenamente se deixa possuir e apenas mais uma fina linha nesta nossa pequena e extraordináriamente curiosa teia de intimidades.


AZUL TURQUEZA

...este burburinho contagiante que são as ruas de Madrid num final de tarde, electrifica-me as passadas...e são as lojas de discos em segunda mão e os ateliers de design, os vendedores ilegais e as "boutiques" exóticas... e o movimento sinuoso e caótico de pessoas envolvidas socialmente por este prazer de compartilhar a rua. Detenho por segundos constrangidos os meus pensamentos; comparei durante o tempo de uma expiração com as correntes de gente soturna que se deixam escoar pelas ruas da minha cidade... e prossegui relegando estas escorregadelas mentais à obscuridade de onde sairam... "a kind of blues"...


AZUL QUENTE

...saí do Café Central na Plaza Santa Anna, com o swing ainda nos ouvidos, já noite dentro. Dirigi-me ao Sol fervilhante, cruzei a Gran Via vogando ao sabor deste caudaloso rio e afunilei para as pequenas ruas marginais com os seus quarteirões estimulantes, recantos tentadores e sombras de néons ... perdi-me em deambulações...


AZUL AZUL

...virei à esquerda seguindo um casal abraçado e percorri uma viela elegante. A praça era pequenina, encaixada em prédios bem conservados. Destoavam no centro as escadas do Metro... e ali, logo à direita, como que a confirmar que deve na realidade haver linhas de fuga no nosso percurso neste maltratado mundo, o pequeno restaurante que se libertava dos seus ultimos clientes, ainda com fugazes focos de luz dentro. Ali, já longa, a noite dominava, Plaza de Chueca nº 8, aproximei-me, com os olhos a piscar de surpresa, do "Azul Profundo". Espreitei o azul do Azul... na montra, com destaque li... pedi uma caneta ao casal (outro?) que continuava abraçado e recuperei um panfleto desprezado no chão para transcrever :


De azul tu vivir,
De azul tu piel,
De azul tu presencia,
De azul mis
pensamientos

De azul tu luz,
De azul tu espejo,
De azul tu sed,
De azul mis
sueños

De azul tus llamadas,
De azul tu recordar,
De azul tu mirada
De azul mis
encuentros

De azul tu profundidad
De azul tu agua,
De azul tu azul,
De azul mis ganas,
mis lágrimas

Tu cielo azul, tu
Noche azul,
tu amor azul

Mar azul; Azul
profundo



© Ron Church

27 abril, 2007

O Indómito Insplorador


Major Fatal © Moebius

22 abril, 2007

...e que contes muitos, Terra!...



Algarve, ano 975.467 D.C.

Espécie humana em habitat natural, fósseis vivos, notável demonstração da polémica (há milhares de anos) teoria de evolução de Charles Darwin. Em como o cérebro, o sublime orgão da inteligência, fantástica ferramenta que talhou a fronteira racional/irracional, o grande trunfo da Humanidade relativamente aos seus pares (meros seres vivos), a partir de um determinado tamanho, se transforma progressivamente no grande "complicador", prejudicial mais do que à própria sobrevivência, à boa e natural convivência entre os seus membros.
A Natureza segue, naturalmente, o seu curso...


...de acordo com a antecipação de Kurt Vonnegut , "Galápagos"

19 abril, 2007

O Velho Par

Há tanto tempo que não sabia de ti!...Nem o encanto se quebrou nem o mistério se desvaneceu...Será que o nosso (azul e denso) mar perde o seu fascínio por nele afogarmos os nossos olhos?...é como com as velhas lanternas mágicas; é sempre a mesma bailarina a passar pela luz da janela, mas sempre nova, sempre surpreendente. E mesmo ao fim de muitas voltas, surge mais aquele pequeno detalhe que nos fisga a atenção...
Senti a tua ausência... perdi o ritmo, perdi o tempo, agora tão desenfreado...perdi-te no tempo...
Anda!...depressa... conta-me a tua ausência, canta-me o quanto te faltei, reacende-me a memória com o toque e com os passos... devolve-me ao quente da tua revigorante entrega, ajuda-me a soprar a ténue brasa dessa nossa velha paixão.

15 abril, 2007

A Pé, Pelo Vale dos Ventos


12 abril, 2007

A Inquietante Angústia da Aprendizagem

“E eu permanecia ao leme, cansado demais para sentir ansiedade, cansado demais para qualquer actividade mental organizada. Vivi momentos de uma feroz e violenta alegria vencedora. Depois, a coragem faltou-me, faltou-me terrivelmente à imagem do castelo da proa, na outra ponta do convés coberto de sombra, cheio de homens, presos de um paroxismo febril...Por culpa minha. Mas não importava. O remorso não tinha outro remédio senão esperar. Eu tinha que me manter ao leme do navio.”

“Mas não! A realidade é que uma pessoa não deve atribuir demasiada importância a seja o que for na vida, de bom ou de mau. Viver com as máquinas a meio vapor, é o que isso é. Nem todos podem ser assim....E ainda há outra coisa: um homem tem que enfrentar os seus azares, os seus erros, a voz da sua consciência e tudo por aí fora. É assim mesmo!... – contra que mais teremos que lutar?”

The Shadow Line © Joseph Conrad

08 abril, 2007

Hieróglifos & Geopolítica

Quando Iaveh se fartou de ser adorado pelo seu povo desde as remotas paragens do Egipto, enviou o seu porta-voz, Salvo das Águas, ao divino Faraó, para que este providenciasse a libertação imediata e incondicional de todas as tribos de Israel, de forma a poderem rumar à terra que, supostamente, manava leite e mel, justificando então plenamente a intensidade da sua devoção. O soberano do mundo civilizado, como seria de esperar de um líder inquestionável, recusou o diálogo ou qualquer tipo de conversação com elementos subversivos de duvidosa credibilidade, tendo inclusivamente aproveitado a oportunidade para, discricionáriamente apertar a vigilância e renegociar unilateralmente as condições esclavagistas dos israelitas, em termos que lhe eram notóriamente favoráveis.
O Deus Uno e Absoluto não se impressionou com a irresponsável arrogância do incestuoso representante do panteão de divindades animais na terra e levantou-lhe algumas sanções, sob a forma de duas ou três pragas, sempre comissariado pelo infatigável diplomata que o assessorava nesse crítico Departamento de Relações Excepcionais Alter-Divindades (DREAD).
O faraó, pressionado pelas circunstâncias, tentou ganhar tempo, promoveu cimeiras, argumentou no sentido de atingir uma plataforma de entendimento ou assegurar um compromisso; a última proposta na mesa consistia numa saída faseada: 20% das tribos nos primeiros dois anos e 30% no quinquénio seguinte. Nos quinze anos subsequentes dispensar-se-iam os restantes israelitas, devendo o Egipto então ser compensado com subsídios a fundo perdido sob a forma de colheitas abundantes, desenvolvimento tecnológico e científico, bem como outras fontes de riqueza a definir na especialidade. Mas o SMS (Ser Monoteísta Supremo) manteve-se inabalável : imediatamente e todos!!
As posições extremaram-se e o parente de Osíris expulsou o emissário, recusando ultimatos. Iaveh decretou o embargo total e catástrofes ainda mais severas atingiram o sagrado país do Nilo.
Escusado será explicar que quem maioritáriamente sofria na pele as sanções vigentes era o vulgus populi egípcio que via as suas culturas destruidas pelo granizo e gafanhotos e era atacado por piolhos, mosquitos e rãs, aguentando heróicamente os finca-pé do seu líder até à insuportável décima tragédia, a morte dos primogénitos (alegadamente com uma maleita fulminante, mas que podia muito bem ter sido em combate).
O faraó, atingido na sua própria divina familia, cedeu e os monoteístas foram, enfim, libertados. As suas aventuras a atravessar o Mar Vermelho, no deserto do Sinai e na Terra Prometida ainda hoje constituem “case studies” sobre os quais se debruçam os especialistas.
Pela minha parte e para os dias que desfilam perante nós, a única coisa que se me ocorre verdadeiramente desejar, é que seja na realidade infinita e omnisciente a paciência da Divindade Global para com as asneiras e devaneios dos nossos semi-deuses nas suas diferentes encarnações, sejam elas americana, persa ou mesmo lusitana. Não me agrada nada a ideia de pagar umas favas que não comi nem sequer plantei e ser subitamente acometido por uma qualquer variante da sarna ou outra pestilência mais rebuscada.


03 abril, 2007

CHINOOK

© Dale Chiully

O “comedor de neve”. Esta é a designação num dos dialectos nativo-americanos, deste extraordinário vento quente de Inverno, que galga as Montanhas Rochosas, deslizando como mansa lava pelas suas encostas orientais. A sua surpreendente influência é tal que em 11 de Janeiro de 1983, em Calgary, a temperatura do ar subiu de –17 a +13 ºC em apenas 4 horas. A brusca variação térmica induz efeitos perversos nos humores das espécies. Nas pessoas origina dores de cabeça, ansiedade e alergias e quando se prolonga no tempo, a natureza, enganada pela sua insidiosa suavidade, desponta e floresce num arrebatador impulso primaveril para, de seguida, o frio retornando ao seu normal e invernoso curso, tudo devastar, inevitável e impiedosamente.


Chinook - Personagem de “Buddy Longway”, BD da escola franco-belga da autoria de Derib. India da tribo Sioux e companheira do protagonista, de quem tem dois filhos, partilha com ele as suas trepidantes aventuras num Oeste selvagem e agreste. Heróis atípicos, envelhecem ao longo das suas histórias, numa exaltação do respeito pela natureza e da concórdia entre os povos.