30 janeiro, 2011

Urbanidades (V)



Largo de Mompilher (Porto)

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23 janeiro, 2011

No Refúgio, ... (seguido de um parêntesis)


... vacilo, hesitante com intermitências de auto-confiança.
... sou uma criança sisuda com uma idade mais que adulta, sensatamente irresponsável.
... os dias passam por mim como água, como vinho, fel, pimenta ou caramelo.
... corro riscos e envido esforços em mórbidos actos de sedução e na elaboração de provocantes arabescos surreais; ... enfim, delicado e secundário.
... sou egoísta, voyeur de private jokes e retratista de cenários íntimos que escrutino através de lunetas com lentes rombas.
... escrevo para mim próprio por deleite, irritação e desconstrução.

Afinal, o que me apetecia hoje mesmo, era rabiscar uma qualquer história escabrosa de tão desavergonhadamente pornográfica!


...mas, bem lá no fundo, não passo de um tímido incorrigível.





...abrir parêntesis (...


...há períodos notóriamente abençoados pelas oportunidades que disponibilizam.


Primeiro, o homem-tigre, como se a casa fosse dele, aqueceu o auditório com as brasas de sensualidade dos seus blues sujos e irresistíveis, apresentando-nos ainda, como que intuindo os nossos vícios mais privados, um “Jockey Full of Bourbon”.


The Legendary Tigerman @ Coliseu do Porto



Depois, bem...depois, só agora (e lentamente) recupero de uma intravenosa de essência ultra pura do ne plus ultra do romantismo, aplicada por uma orquestra de referência sob a batuta de um génio apaixonado. Agora, sim, sei que é possível atingir estranhos estados de levitação e que o frisson é um dos catalisadores base para se lá chegar.

Lembrar-me-ei do final do quarto andamento por muitos e bons anos!...
Nunca tinha testemunhado uma tão perfeita condução das subtilezas do silêncio!

Ontem, Fundação C. Gulbenkian
Orquestra Sinfónica de Los Angeles dirigida por Gustavo Dudamel
9ª Sinfonia de Gustav Mahler.




...)... fechar parêntesis.


10 janeiro, 2011

O Mercado


A luz fria que jorra de rasgões esgadanhados nas paredes curvialtas, difracta-se em estampidos de cores bravias nos escaparates vastos, fartos de aprazíveis e berrantes variedades.

Reverberam ondas de rumores surdos em turbilhão, entrecortados por estridentes pregões e intempestivas onomatopeias, qual superlativa e amplificada sinfócafonia!

Esse antro concavado, pálido e fecundo tabernáculo, pulsa e respira, parasitado por toda uma amálgama de vidas emprestadas.


























06 janeiro, 2011

As Bençãos (Uma Espécie de Conto de Natal) - [ 3 ]





Não bastaram dez, nem sequer quinze anos.
Com o intento de dispersar os seus despojos por entre um anónimo e indiferenciado lote de ossadas, exumaram o seu corpo três vezes nesse período e por três vezes os fúnebres funcionários ao abrir a tampa do ataúde, não conseguiram reprimir o sobressalto que lhes era imposto por aquele olho exorbitante e inquiridor que a pálpebra fora incapaz de recobrir durante o infrutífero e piedoso acto, exercido após a terem encontrado morta, e que assim permanecera todos esses anos. O bizarro globo era apenas o farol de um corpo incorrupto que mantendo a disformidade de quando vivo, lhes parecia apresentar-se agora mais gracioso. Voltavam então a descê-la à terra com a esperança de, na próxima incursão, poderem pôr uma pedra sobre o assunto. Continuou pois, regularmente, a andar nas bocas do mundo.

No funeral do prior velho, o cemitério repleto de saudosos paroquianos, uma mulher caiu desamparada sobre a sepultura da desditosa, consequência de um desajeitado e acidental encontrão, tendo a sua cabeça embatido na lage com inusitada contundência, o que resultou na sua perda de sentidos. Na manhã seguinte, balbuciante e entaramelada, deu conta às vizinhas que a tinham velado de surpreendentes sintomas de melhoras no glaucoma de que padecia e reportou (coincidência!) um significativo alívio da sua molesta infecção urinária. O destino interveio então sob a forma de uma improvável mas definitiva e absoluta conjugação de ideias e associação de factos na mente de uma comadre, que se persignou ferverosamente. A exposição das suas conclusões às presentes teve um efeito epidémico e a miraculada, não sendo seu intuito prescindir do protagonismo, logo ali relatou a visão mística que a arrebatara no instante imediato ao impacto súbito do seu parietal esquerdo com a lápide.
Foi como fogo no mato! Prodígios das mais diversas estirpes começaram a reproduzir-se em todas as redondezas, a designação “Santa do Olho” surgiu inesperadamente não se sabe bem donde, oferendas e ramos de flores recobriam a sua até então modesta e resguardada campa, votaram-lhe promessas e aquele discreto recanto do cemitério foi-se tornando, com o tempo local de devoção e vigília.

Nos estertores do século vinte, foi erigida uma ermida para sua evocação com os donativos de inúmeros fiéis, tornando-se lugar de culto e de fé para muitos romeiros que desde remotas paragens aí se deslocavam, na esperança de maravilhosos e pequenos milagres pessoais, exclusivos às suas vidas atribuladas. Ao fundo, em altar destacado e num plano vertical sobreelevado, num esquife em acrílico rodeado por uma moldura de círios brancos, o seu bendito corpo impoluto expunha-se à veneração das gentes, que suportavam no mais íntimo das suas almas o trespassar daquele olhar tão acusatório quanto indulgente. E inundava-as um sentimento profundo e aliviador, não tanto como um perdão, mas sobretudo, inexplicávelmente redentor.

( Fim )