29 março, 2007

Circularidades IV _ Cidades + Cumpli + Cidades

Yes 'n' how many times can a man turn his head,
Pretending he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.
(B.Dylan)


Cauchemar Blanc © Moebius

Após o carro ter dobrado a esquina, alguém, anónimamente, telefonou ao 112.
Baruch sentiu-se invadido por uma desconfortável fadiga e fechou os olhos. Tentou levantar-se mas nenhum dos seus músculos reagiu e mesmo a sua mente, sentia-a como que autónoma, suspensa numa viscosa e morna solução encapsulada. Equacionou-se por momentos, em pormenorizada avaliação: os fins e os princípios, as alegrias e os remorsos, as paixões e o ódio.Deixou esvair o fio do resto das suas ideias e agarrou-se ao ténue vislumbre da sua praia. Sentiu que sorria... as corridas, ágil, pelo vasto areal, em brincadeiras com a Núria, a bela, pela qual todos o invejavam, as confidências da mansa brisa do crepúsculo, os ansiosos amantes desencontrados, as despedidas nostálgicas do rubro sol... e o mar, o seu irmão mar, aquele imenso e íntimo mar que agora se abria, acolhedor, negro e profundo, para o aconchegar.

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21 março, 2007

Périplo (VI) - Amersfoort


Pieter Cornelis Mondriaan

Piet Mondrian


Amersfoort, 07.03.1872 - N. York, 01.02.1944

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19 março, 2007

Périplo (V) - Liège

É nos dias que correm um facto seguro, a atribuição a Henrique VIII da marca mundial do mau feitio conjugal, considerando como base de contagem os seus seis casamentos. A minha reverência vai no entanto para um não menos célebre, mas incompreensivelmente ignorado percursor no que respeita à prodigalidade matrimonial, o Imperador do Ocidente, o grande reformador e educador da Europa, esse dilecto filho da região liégeoise (embora não se saiba exactamente de onde), Carlos Magno.
São-lhe creditadas pelo menos nove consortes, sendo ainda referida uma décima, cujo nome se quedou no limbo da história. E sobre esta ultima não me alongo, porque é de nomes que se trata. Um dos pormenores mais suculentos deste troço da genealogia europeia, é o rebuscado dos nomes:


1ª - Himiltrude, mãe de Pepino, o Marreco - repudiada, acaba os dias num convento
2ª - Désirée ou Hermengarda de Lombardia, sem descendência - repudiada após 1 ano de casamento, por esterilidade
3ª - Hildegarda de Vintzgau, casa com 15 anos e dá-lhe 8 filhos, entre os quais os futuros, Carlos, rei de Austrasia, Pepino, rei de Itália (muitos Pepinos havia!) e Luis I, le Debonnaire - não recupera do ultimo parto e morre com 26 anos.
4ª - Fastrade de Franconia, mãe de Théodrade e Hiltrude (que foram as duas abadessas) - morre com 29 anos
5ª - Liutgarda d’Alémania, sem descendência - morre com 24 anos
6ª - Madelgarda, mãe de Rothilde

a partir daqui as coisas complicam-se e há quem lhes troque a ordem...

7ª - Gerswinde de Saxe, mãe de Adeltrude
8ª - Régina, mãe de Drogon e Hughes
9ª - ??
10ª - Adalinda, mãe de Teodorico


Sinto-me percorrer por pequenos frémitos de extemporânea emoção, quando me ponho a imaginar que as mulheres com quem me cruzo no Centro Comercial, têm nomes assim.



18 março, 2007

Périplo (IV) - Namur


11 º NAM’IN’JAZZ


Pascal Schumacher - Vibrafone

Jef Neve - Piano


Jazz de câmara num concerto ao vivo notável.


Leap Year
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Périplo (III) - Huy

Com os densos bosques em fundo, num dia frio e chuvoso, no aconchego do salão com lareira, a plenitude alcançada...



“Château Cos Labory”
Grand Cru
Classe 1996
Appellation Saint-Estèphe





Périplo (II) - Tihanges

Em 25 de Outubro de 2006, um comando do Greenpeace infiltrou-se na central nuclear, escreveu um montypythiano “À VENDA” nas imponentes torres de arrefecimento, subiu à cúpula de um dos reactores e aí pintou uma intimidatória e ameaçadora fissura.

Hoje, passeando ao longo do tranquilo Mosa, alternando a minha atenção entre os graciosos mergulhões, gansos e corvos-marinhos e a bunkerizada instalação, concluí que ainda prefiro a sua opressiva mas inacessível presença ali, a saber que alguém com intuitos de cruzada lá consegue entrar com facilidade.


14 março, 2007

Périplo (I) - Ávila

Agora que a polémica sobre as blasfémias do “Código Da Vinci” está arrumada nos armários das más consciências, nem de propósito, vou para Ávila; e já amanhã, em plena agitação das pantanosas águas do Vaticano por causa da “Santa Teresa mais sexy alguma vez vista num ecrã”, nas palavras de Ray Loriga, realizador de “Teresa, O Corpo de Cristo”, estreado em Espanha na passada sexta-feira, com Paz Vega como protagonista.
A controvérsia da película tem na sua origem, à parte o facto de nos apresentar a carmelita enclausurada como uma apetitosa noviça, a ideia sacrílega de as visões místicas da santa religiosa de Ávila, durante as quais conversaria com o Redentor, não serem de âmbito totalmente espiritual, antes integrando uma contaminação carnal considerável. Afinal não é de estranhar, o cinema sempre se sentiu mais à vontade com o sexo que com o divino.
E o mais provável é o filme até ser mau.
Quanto a mim, a minha deslocação às proximidades do santo Carmelo é mera coincidência. Tudo o que posso propôr, é uma tentativa de investigação no terreno sobre o que pensam os avilenses do assunto, ao longo da noite, de bar em bar.

Périplo

Madrid - Ávila

Liège

Utrecht - Amersfoort


Avizinha-se uma semana agitada...

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11 março, 2007

Qu’es tória?

Valerá uma estøria contada uma es-tória escrita?

Beneficiará a versão declamada, com os gestos, os trejeitos, os toques, a interacção das reacções?... não se promoverá esta, como com generosa maquilhagem, com as luzes, com os cenários ou com os sons?... não distrairá ela os seus ouvintes com irresistíveis acessórios, contornando levianamente os seus pilares maestros?

...ou será preferivel a escrita, rasto de fogo que pictograva impiedosamente as convulsões, as pulsões, amiúde tão intrincadas, do seu mentor, seduzindo-nos com trilhos de símbolos abençoados, imaginários, plenos de anjos e demónios, sensuais e carnivoros?...


Respirada, ... acho que no fundo, de que gosto mesmo é de inspirar uma estória, como um instintivo fôlego vital.

08 março, 2007

Circularidades III _ Sul

How many years can a mountain exist
Before it's washed to the sea?
Yes,'n' how many years can some people exist
Before they're allowed to be free?
(R.A.Zimmerman)

The wind blows...

...o vento sopra mansamente...tão docemente que ela se espantou com a leveza do despertar. Com a face contra a areia macia, acariciada pelo reconfortante e eloquente sol, abriu os olhos por preguiça, para melhor apreciar o voltar a poder fechá-los. Sentia a sedução do calor nas ancas, a volúpia irrequieta dos grãos da praia entre os dedos. Esticou-se devagar, sentindo os fluxos do prazer real percorrerem-lhe todos os intrínsecos canais até às mais remotas e indefinidas extremidades...languidez e deleite.
Conseguiu ajoelhar-se e olhar em volta. O local era magnífico, com um mar de boa memória. Uma estranha melodia, uma voz arrastada que sussurrava,

I'm gonna take it with me
When I go

A brisa beijou-lhe os cabelos e colou-se-lhe cálida, irresistível, ao corpo quando se levantou e a espuma das ondas saudou-a pela ocorrência. Seguiu pela praia, rumo ao sul, brincando com a rebentação e com as conchas brilhantes de alegria.

A imagem fixou-se num plano de fuga, ao nível do pontão. Com a sua irrequieta e inconsciente felicidade, ela foi ficando refém da perspectiva até que o ténue traço que representava a sua vida se fundiu no remoto triplo ponto das linhas do céu, do mar e da praia. Uma calma límpida e quente acompanhou o surgimento da nuvem que, negra, contribuiu para os vigorosos contrastes na luminosidade no quadro. A chuva, súbita e regeneradora, foi desbotando as cores ao cenário, que escorreu em tons entre verdes e azuis pela sulcada areia da maré baixa. Às águas-mãe do imenso mar juntavam-se agora as diluídas marcas de um sonho, do qual acordámos sem nos lembrarmos.

© Tom O'Scott

04 março, 2007

Chuva

Everywhere I go,
It rains on me.


01 março, 2007

Mecanismos Pataquânticos

São deveras subtis as irregularidades espacio-temporais no extremo ocidente europeu.

O hoje, é uma falácia!...

Como nesta nossa nebulosa o desfasamento e atraso são mensuráveis e significativos, mesmo fazendo intervir uma meramente estatística incerteza heisenbergiana, pode ser demonstrado que o dia de hoje realmente é, fez ontem oito dias!