08 março, 2007

Circularidades III _ Sul

How many years can a mountain exist
Before it's washed to the sea?
Yes,'n' how many years can some people exist
Before they're allowed to be free?
(R.A.Zimmerman)

The wind blows...

...o vento sopra mansamente...tão docemente que ela se espantou com a leveza do despertar. Com a face contra a areia macia, acariciada pelo reconfortante e eloquente sol, abriu os olhos por preguiça, para melhor apreciar o voltar a poder fechá-los. Sentia a sedução do calor nas ancas, a volúpia irrequieta dos grãos da praia entre os dedos. Esticou-se devagar, sentindo os fluxos do prazer real percorrerem-lhe todos os intrínsecos canais até às mais remotas e indefinidas extremidades...languidez e deleite.
Conseguiu ajoelhar-se e olhar em volta. O local era magnífico, com um mar de boa memória. Uma estranha melodia, uma voz arrastada que sussurrava,

I'm gonna take it with me
When I go

A brisa beijou-lhe os cabelos e colou-se-lhe cálida, irresistível, ao corpo quando se levantou e a espuma das ondas saudou-a pela ocorrência. Seguiu pela praia, rumo ao sul, brincando com a rebentação e com as conchas brilhantes de alegria.

A imagem fixou-se num plano de fuga, ao nível do pontão. Com a sua irrequieta e inconsciente felicidade, ela foi ficando refém da perspectiva até que o ténue traço que representava a sua vida se fundiu no remoto triplo ponto das linhas do céu, do mar e da praia. Uma calma límpida e quente acompanhou o surgimento da nuvem que, negra, contribuiu para os vigorosos contrastes na luminosidade no quadro. A chuva, súbita e regeneradora, foi desbotando as cores ao cenário, que escorreu em tons entre verdes e azuis pela sulcada areia da maré baixa. Às águas-mãe do imenso mar juntavam-se agora as diluídas marcas de um sonho, do qual acordámos sem nos lembrarmos.

© Tom O'Scott