Atmosferas (I)
A chuva batia, sedutora, na parede de vidro voltada ao jardim, murmurando doce mas insistentemente, convites aconchegantes. Lá fora, sob a imensa cúpula cinzenta, naquele anfíbio amplexo que as miríades de gotículas celestes prodigalizavam, as árvores, as plantas, as folhas, os ínfimos seres, saciavam-se deleitadamente absorvendo a essência primordial da vida, com a voracidade de quem experimenta singulares prazeres.
A sala era muito grande, de geometria irregular, e as paredes branco-frio formavam enormes pé-direito inclinados. A quem entrava pela maciça porta em madeira, deparava-se-lhe em frente, um fogo de sala hipnotizador, ladeado num ângulo obnóxio por um sofá antracite e uma distinta marqueza, de suave rosa-carne veludo (re)vestida. Do lado esquerdo, norte portanto, uma esmagadora tela de Bacon pendia, ultrajante, ocupando desmesuradamente o cintilante espaço deixado vazio por um pesado reposteiro sangue-de-boi, que descia em formas voluptuosas, do tecto ao chão.Nesse canto ainda, um equipamento de som e vídeo para regalo dos cinco sentidos. Mais longe, como que clandestinamente dispersos numa pilha informe, entrefolhavam-se maliciosamente Mrs. Dalloway, Lautréamont, Appolinaire, Justine, o Ricardo R, o Burroughs, a Lou-Andeas e Melle. Eberhard, num festim nu de formas e palavras. Um pouco excêntrica, a mesa e a sua própria posição no salão, acomodava uma coberta carmim e candelabros de velas da mesma côr. Etéreo, tal espectro difuso, fluindo em ondas de paixão húmida e quente, o "Spiegel im Spiegel" da Alina do Pärt, qual canto de sereia de insondáveis e aventurosos mares, predominava aos ouvidos do homem que perscrutava para além da janela, contra as libertárias gotas que do céu sombrio o desafiavam, batendo na panorâmica transparência.
A sala era muito grande, de geometria irregular, e as paredes branco-frio formavam enormes pé-direito inclinados. A quem entrava pela maciça porta em madeira, deparava-se-lhe em frente, um fogo de sala hipnotizador, ladeado num ângulo obnóxio por um sofá antracite e uma distinta marqueza, de suave rosa-carne veludo (re)vestida. Do lado esquerdo, norte portanto, uma esmagadora tela de Bacon pendia, ultrajante, ocupando desmesuradamente o cintilante espaço deixado vazio por um pesado reposteiro sangue-de-boi, que descia em formas voluptuosas, do tecto ao chão.Nesse canto ainda, um equipamento de som e vídeo para regalo dos cinco sentidos. Mais longe, como que clandestinamente dispersos numa pilha informe, entrefolhavam-se maliciosamente Mrs. Dalloway, Lautréamont, Appolinaire, Justine, o Ricardo R, o Burroughs, a Lou-Andeas e Melle. Eberhard, num festim nu de formas e palavras. Um pouco excêntrica, a mesa e a sua própria posição no salão, acomodava uma coberta carmim e candelabros de velas da mesma côr. Etéreo, tal espectro difuso, fluindo em ondas de paixão húmida e quente, o "Spiegel im Spiegel" da Alina do Pärt, qual canto de sereia de insondáveis e aventurosos mares, predominava aos ouvidos do homem que perscrutava para além da janela, contra as libertárias gotas que do céu sombrio o desafiavam, batendo na panorâmica transparência.
6 Comments:
Dá vontade de estar aí. Escreves tão bem que consigo visualizar esse salão.
Obrigado, Aninhas...
Também vai muito da sensibilidade de quem lê!...
cortinas vermelhas
chuva (lá fora)
e tempo sem fim para ler
[suspiro]
dessa pilha informe, trouxe alguns para as minhas ordenadas prateleiras - reconheço-os :)
Ângela, se algo de caótico é aprazível à vista, são pilhas desordenadas de livros sublimes...
pilhas onde apetece mergulhar, sim :)
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