08 abril, 2007

Hieróglifos & Geopolítica

Quando Iaveh se fartou de ser adorado pelo seu povo desde as remotas paragens do Egipto, enviou o seu porta-voz, Salvo das Águas, ao divino Faraó, para que este providenciasse a libertação imediata e incondicional de todas as tribos de Israel, de forma a poderem rumar à terra que, supostamente, manava leite e mel, justificando então plenamente a intensidade da sua devoção. O soberano do mundo civilizado, como seria de esperar de um líder inquestionável, recusou o diálogo ou qualquer tipo de conversação com elementos subversivos de duvidosa credibilidade, tendo inclusivamente aproveitado a oportunidade para, discricionáriamente apertar a vigilância e renegociar unilateralmente as condições esclavagistas dos israelitas, em termos que lhe eram notóriamente favoráveis.
O Deus Uno e Absoluto não se impressionou com a irresponsável arrogância do incestuoso representante do panteão de divindades animais na terra e levantou-lhe algumas sanções, sob a forma de duas ou três pragas, sempre comissariado pelo infatigável diplomata que o assessorava nesse crítico Departamento de Relações Excepcionais Alter-Divindades (DREAD).
O faraó, pressionado pelas circunstâncias, tentou ganhar tempo, promoveu cimeiras, argumentou no sentido de atingir uma plataforma de entendimento ou assegurar um compromisso; a última proposta na mesa consistia numa saída faseada: 20% das tribos nos primeiros dois anos e 30% no quinquénio seguinte. Nos quinze anos subsequentes dispensar-se-iam os restantes israelitas, devendo o Egipto então ser compensado com subsídios a fundo perdido sob a forma de colheitas abundantes, desenvolvimento tecnológico e científico, bem como outras fontes de riqueza a definir na especialidade. Mas o SMS (Ser Monoteísta Supremo) manteve-se inabalável : imediatamente e todos!!
As posições extremaram-se e o parente de Osíris expulsou o emissário, recusando ultimatos. Iaveh decretou o embargo total e catástrofes ainda mais severas atingiram o sagrado país do Nilo.
Escusado será explicar que quem maioritáriamente sofria na pele as sanções vigentes era o vulgus populi egípcio que via as suas culturas destruidas pelo granizo e gafanhotos e era atacado por piolhos, mosquitos e rãs, aguentando heróicamente os finca-pé do seu líder até à insuportável décima tragédia, a morte dos primogénitos (alegadamente com uma maleita fulminante, mas que podia muito bem ter sido em combate).
O faraó, atingido na sua própria divina familia, cedeu e os monoteístas foram, enfim, libertados. As suas aventuras a atravessar o Mar Vermelho, no deserto do Sinai e na Terra Prometida ainda hoje constituem “case studies” sobre os quais se debruçam os especialistas.
Pela minha parte e para os dias que desfilam perante nós, a única coisa que se me ocorre verdadeiramente desejar, é que seja na realidade infinita e omnisciente a paciência da Divindade Global para com as asneiras e devaneios dos nossos semi-deuses nas suas diferentes encarnações, sejam elas americana, persa ou mesmo lusitana. Não me agrada nada a ideia de pagar umas favas que não comi nem sequer plantei e ser subitamente acometido por uma qualquer variante da sarna ou outra pestilência mais rebuscada.