09 julho, 2007

Em Flagrante

De Lito já ninguém esperava nada. Para o forte mas contra o baixo, cedo envergadurara pelas tortuosas vielas do vício, a exemplo do seu irmão Lino, que um dia desaparecera sem deixar ressonâncias. Nessa noite, essas ínvias veredas convergiram no velho conservatório, arrastando-o na sua busca de algo que o permitisse afinar a sua diatónica mente. Não que a musica lhe tangasse grande coisa; bem pelo contrário, como se costuma pautar “Duro de ouvido, coração bemol”. O seu instinto soprou-lhe que aquele velho edifício não deveria ser muito vigiado.


Night Shadows © E. Hopper


Um prelúdio com abertura simples, entrou fácilmente e percorreu alguns intermezzos no escuro, girando claves, forçando portas, na mira de um saque só fónico. Na secretaria foi prestíssimo a localizar onde guardavam o fundo de maneio, ao qual lançou mão sem hesitações. Com a bolsa e as col cheias, experimentou ainda outra sala, onde um luar stravagante que entrava pelas amplas janelas lhe permitiu distinguir, claire e nette, a imponente vitrine com alguns instrumentos alinhados, os outros dispostos adagiamente pelo estúdio. Foi andante que chegou ao grande átrio central. Uma abóbada sustenida, uma escadaria solfégica e em redor, numa disposição que a orientava virada para o centro, voltada para ele, qual regente inesperado, uma galeria de bustos dos grandes compositores, dos mestres cantores, dos contramestres contratenores. Um solene e silencioso auditório.
Como que a iniciar a peça, uma nota plangente. Pouco depois, uma sobreposição suave de cordas e madeiras, o som enchendo em crescendo, com amplitude, a imponente câmara. Uns stacattos atonais e in-harmónicos modularam a composição.
Quando o piano, num finale maestoso e em vibratto prolongado, caiu em cima do Lito, o momento tocou de sobremaneira a exigente plateia, que estremeceu de emoção.Como ao Lito, depois dessa noite, também nunca mais ninguém viu o Lino...

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Hello again!
It is usually inspiring to read your texts but this one, was particularly fun! We can imagine the joy and pleasure you felt when you wrote it: a verbal & musical sculpture... I guess we could call it art...
Your instinct sure "blows" nice things...
Have fun!
Hot Wings

19 julho, 2007  

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